sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ipaumirim ganha Ponto de Leitura

O ponto de leitura vai ser na casa de Jerônimo Jorge, que preserva memória arquitetônica e histórica
FOTO: WESCLEY JORGE
Fortaleza Está quase na hora de abrir as portas e janelas. Está quase no momento de abrir as páginas e participar de uma das mais importantes e essenciais iniciativas para o despertar da leitura num pequeno lugar no interior do Ceará. Em Ipaumirim, hoje, às 20 horas, será inaugurado, na Praça Padre Cícero, 10, o Ponto de Leitura Casa Jerônimo Jorge.

É um local dedicado ao incentivo da leitura, à realização de cursos, oficinas, palestras e mostras de vídeos, e ideal para fomentar o pensamento artístico e cultural. O processo de instalação se dá por meio de edital público federal do projeto mais "Cultura e do Plano Nacional do Livro e Leitura", do Ministério da Cultura, que é destinado à pessoa física ou jurídica para a realização de projetos de incentivo à leitura.

O primeiro a ser instalado em Ipaumirim é de iniciativa do artista plástico paulista, radicado em Fortaleza, Felipe Gregório Castelo Branco Alves, que foi contemplado em sua terceira tentativa. Segundo ele, o local se diferencia de uma biblioteca comum por ter um projeto de incentivo à leitura. Desta forma, sua importância se dá na aquisição do acervo específico, e das atividades lúdicas e artísticas que serão desenvolvidas ao longo do projeto, que tem duração inicial de seis meses.

"Nosso objeto maior está na tentativa de formação e público, e na criação e identificação de alguns grupos que se destaquem nas atividades para assim justificar a importância desta iniciativa e poder buscar a sustentabilidade do projeto", conta Gregório. Para ele, a ideia de ter um ponto de leitura surgiu para proporcionar a crianças, jovens e adultos um meio de ter acesso aos livros e à leitura, entre outras atividades culturais e artísticas. O local onde vai ficar o ponto de leitura é uma história a parte. A casa de Jerônimo Jorge, ilustre morador da cidade, é um patrimônio e preserva memória arquitetônica e histórica. O investimento foi de R$ 14 mil, com recurso dos Governos Federal, Estadual e Municipal.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Acampamento de jovens acontecerá no fim de julho

Já estão abertas as inscrições para as oficinas de arte e cultura que acontecerão na Praia de Tremembé
Numa programação diversificada, os jovens que vão ao acampamento adquirem novos olhares
FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR

Icapuí Tem data confirmada o evento que a cada dois anos reúne, no litoral do Ceará, jovens do Brasil e países vizinhos. A nona edição bienal do Acampamento Latino-Americano da Juventude acontecerá nos dias 29, 30 e 31 de julho. A programação ainda não está fechada, mas terá shows nacionais e locais, oficinas, palestras e debates com seis diferentes temas: os cinco anos da Lei Maria da Penha, o centenário de nascimento de Maria Bonita, o Ano Internacional da Mulher, Ano Internacional para Afrodescendentes, Desenvolvimento Local e Sustentável e Protagonismo Juvenil e Diversidade. Está confirmado show da banda Cidade Negra.

Não por outro motivo, o Acampamento Latino-Americano da Juventude ocorre nas férias de julho. Centenas de jovens levam suas barracas e acampam na área de mangue da Praia de Tremembé, em Icapuí, sempre palco para o evento.

Artes, esportes e troca de ideias seguem como os grandes atrativos do acampamento. Os shows reúnem a moçada nas noites. De dia, em diversos espaços, é celebrada a importância dos recursos naturais, do desenvolvimento sustentável e equilibrado. É também quando acontece o simbólico e tradicional abraço ao mar, quando centenas de pessoas participam de ritual de celebração da natureza. “É um evento de encontro dos povos, pelos jovens”, afirma o deputado estadual Dedé Teixeira, um dos fundadores do evento. O slogan da próxima edição é “O sol está nos olhos de quem brilha”. Ou seja, um olhar para o protagonismo juvenil. No encontro de jovens de diferentes lugares (e, portanto, diferentes culturas e olhares), a intenção é que todos encontrem “aquilo que os une”.

A programação do evento ainda está sendo definida, mas o twitter da produção confirma a presença da banda reggae Cidade Negra, na segunda noite. Já estão abertas inscrições para as diversas oficinas oferecidas no acampamento. São disponibilizadas 25 inscrições por oficina. Também é importante se cadastrar para colocar sua barraca na tenda do acampamento.

Uma reunião no último fim de semana definiu composições de coordenação e locais específicos das atividades que serão realizadas durante os dias de realização do acampamento.

A primeira edição do evento ocorreu em 1997, ensejando os 30 anos da morte de Che Guevara, o centenário de morte de Antônio Conselheiro e o primeiro ano sem Paulo Freire. Desde então, sempre a discussão de grandes temas, como a resistência dos povos indígenas, políticas públicas para mulheres, negros, e o protagonismo político e cultural de jovens. O acampamento é um evento eminentemente socialista.

MAIS INFORMAÇÕES
Acampamento Latino-Americano da Juventude, de 29 a 31 de julho, Praia de Tremembé - Icapuí (CE)

http://www.acampamentoicapui.com.br

Melquíades Júnior

Colaborador

História resgatada

"A Academia Cearense de Letras e o Palácio da Luz", livro escrito a quatro mãos por Regina Fiúza e José Murilo Martins, registra a história de dois importantes patrimônios da cidade

Construído em 1790, o Palácio da Luz foi, durante 162 anos, sede do governo do Ceará. Hoje abriga a ACL
FOTO: EDUARDO ALMEIDA (30/03/2006)
Mais de dois séculos de história em 96 páginas. Foi essa a missão de José Murilo Martins e Regina Pamplona Fiúza, autores do livro "A Academia Cearense de Letras e o Palácio da Luz", lançado ontem à noite, no Centro Cultural Oboé.

A obra resgata a história da ACL e do prédio que hoje a abriga e que, antes, entre 1808 e 1870, sediar o Governo do Ceará. Construído em 1790, na época do Brasil Colônia, o Palácio da Luz chegou a abrigar mais de cem governantes do Estado e suas famílias.

A ideia surgiu por uma demanda do próprio público que visita a sede. "Ao todo, 14 entidades funcionam na Academia, com encontros ou reuniões. Além disso, há pesquisadores que recorrem à biblioteca, alunos e turistas visitantes. Temos um bom movimento", ressalta Martins, que já foi presidente da ACL. "Tínhamos muitas visitas de turistas, que perguntavam sobre a história da Academia, do Palácio. A gente dava as explicações, mas não tinha nada escrito. Então resolvemos fazer o livro com uma história abreviada", complementa Fiúza, diretora administrativa da ACL há 18 anos. Ela e Martins trabalharam juntos na entidade, quando deram início às pesquisas.

Os autores José Murilo Martins e Regina Fiúza: trabalho a quatro mãos e projetos futuros
FOTO: KID JÚNIOR
Segundo a co-autora, foram seis meses de produção em 2010. Mas o lançamento foi adiado por conta de um problema de saúde de Fiúza. "Tive um AVC, em dezembro. Agora que estou mais recuperada resolvemos lançar", comemora. Há artigos escritos individualmente e também pelos dois autores. As principais fontes de pesquisa foram materiais da própria biblioteca da ACL e do Instituto do Ceará. "A biblioteca da Academia é enorme e valiosíssima, tem cerca de 50 mil livros", elogia Fiúza.

Memória
Pequeno e didático, com cerca de 35 fotografias, o livro foi pensado para atender tanto a pesquisadores quanto a jovens estudantes, turistas e o público geral. "Digo que foi muito difícil fazer um livro fácil", brinca Martins. "Foi necessário resumir muita história. Lá estão detalhadas as atividades da Academia, todos os 182 acadêmicos desde sua fundação, além dos 221 anos de história do Palácio. Ele já foi sede do Governo, foi ampliado, bombardeado. Andar lá dentro é andar pela história do Ceará", detalha Martins.

Com a publicação os autores esperam contribuir para a valorização do patrimônio de Fortaleza. Martins empolgou-se tanto com o projeto que já prepara outro livro sobre a ACL, desta vez mais aprofundado.

Já Fiúza concentra-se na reedição de sua dissertação de mestrado, sobre o jornal O Pão, da Padaria Espiritual. "Meu bisavô, José Carlos da Costa Ribeiro Jr., foi um dos fundadores da Academia e membro da Padaria. Também estou trabalhando em uma edição fac-símile de versos dele", adianta a autora.

Livro
A Academia Cearense de Letras e o Palácio da Luz  
José Murilo Martins e Regina Fiúza
Expressão Gráfica
2011
96 páginas
R$ 20

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER

Museu da UFC completa 50 em mostra histórica

A exposição de cinquentenário do Mauc abre hoje (22) e segue até novembro, com parte do acervo próprio com obras de artistas locais e internacionais
Entre as coleções do museu, destaca-se a sala dedicada ao artista plástico Aldemir Martins (FOTO RODRIGO CARVALHO, 8/7/2008)

“O Museu de Arte terá, sem dúvida, uma grande missão em nossa terra, devendo abranger um campo que se estende desde a pintura clássica até a arte mais tosca de nossos artistas nordestinos”. Assim, dias antes da inauguração, que aconteceu no dia 25 de junho de 1961, do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), O POVO previa a importância do equipamento para o Estado. De lá pra cá já se passaram 50 anos e hoje (20), o Mauc abre a programação em comemoração ao aniversário com uma exposição de peças do acervo que pretende ser um passeio pela história do local.

Fundado a partir de uma iniciativa do então reitor Martins Filho, o Mauc foi inaugurado no mesmo dia do aniversário de seis anos da UFC e instalado em uma chácara que antes sediava o Colégio Santa Cecília. Só em 1965 ganhou a sede própria que hoje fica no campus do Benfica, em frente à Reitoria, no cruzamento das avenidas da Universidade e 13 de Maio. Em 1949, quando de uma visita que fez ao Museu del Prado em Madrid e a museus parisienses em que foi guiado por Antônio Banderas, Martins Filho já alimentava a ideia da fundação do Museu.

“Compreendi, igualmente, que teria tido maior rendimento nas minhas esporádicas visitas aos museus da Europa, se estivesse mais familiarizado com o mundo maravilhoso das artes plásticas. Concluí então que deveríamos iniciar o movimento pró-fundação do Museu de Arte da Universidade”, explica em texto da época publicado atualmente nos site do Mauc. Ele cita nomes como o de Heloísa Juaçaba e dos pintores Zenon Barreto, Antônio Bandeira e Floriano Teixeira como apoiadores da ideia embrionária.

A exposição de instalação foi uma coletiva que reunia arte sacra e popular de artistas locais, como Francisco Silva, Raymundo Cela e Sérvulo Esmeraldo, que contribuíram com doações e empréstimos ao incipiente acervo, que vinha sendo coletado desde 1958.

Sobre essa primeira exposição, o escritor cearense Fran Martins disse à época: “Museu que vai começando da estaca zero, com quadros e imagens emprestadas, com arte popular pela primeira vez apresentada como cousa de valor, para grande surpresa de mestre Chico Santeiro, e Francisco Silva, que jamais pensaram que os bonecos que faziam e as serpentes que pintavam um dia seriam admirados por generais e doutores, todos neles reconhecendo valores que os seus próprios autores ignoravam completamente”.

Há 24 anos, sendo dirigido pelo professor Pedro Eymar, o Mauc abre hoje a exposição que fará uma recorte do acervo atual de cinco mil obras. “Nunca estivemos em momento melhor. A exposição conta um pouco dessa história em que a nossa principal vocação, o nosso endereço é a tensão entre a arte clássica e a moderna, o surgimento das vanguardas”, explica.

A mostra traçará a trajetória do equipamento desde a fase pré-museu, passando pela evolução do acervo, a formação das coleções e mudanças na estrutura física do prédio. Para isso reúne fotos, reproduções de documentos, painéis, textos explicativos e obras dos chamados artistas fundadores, como Barrica, Aldemir Martins, Floriano Teixeira, Estrigas e Nice Firmeza, Barbosa Leite, Vicente Leite e daqueles que ganharam salas permanentes. “Resgatando a tradição dos ateliês coletivos, a exposição será montada no salão principal, reunindo todos os artistas em um único espaço”, adianta o diretor.

Além da mostra, as comemorações seguem com o retorno das oficinas de gravura, desenho e pintura, das homenagens a artistas, ex-diretores, funcionários e ex-funcionários do Museu. “Além da digitalização de todo o acervo, que começará pela coleção do artista suíço Jean-Pierre Chabloz”, revela.

SERVIÇO

EXPOSIÇÃO EM COMEMORAÇÃO AO CINQUENTENÁRIO DO MAUC
Onde: Mauc (avenida da Universidade, 2854, Benfica)
Quando: de hoje (22) até 12 novembro
Horário de visitação: de 8h às 12h e de 14h às 18h, de segunda a sexta
Acesso gratuito
Outras info: (85) 3366 7481

Domitila Andrade
domitilaandrade@opovo.com.br

terça-feira, 21 de junho de 2011

Patrimônio Histórico-Iphan promove audiência

Haverá o lançamento do livro "Redescobrindo o Ceará", e apresentação da nova superintendente do Iphan, Juçara Peixoto

O livro Redescobrindo o Ceará, é de autoria do arquiteto e urbanista, José Clewton do Nascimento
FOTO: DIVULGAÇÃO
Icó O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) promove, hoje à noite, nesta cidade, no Teatro da Ribeira dos Icós, audiência pública com os moradores do centro histórico e autoridades locais. Na ocasião, haverá o lançamento do livro "Redescobrindo o Ceará", do arquiteto e urbanista, José Clewton do Nascimento, e a apresentação da nova superintendente regional do Iphan, no Ceará, Juçara Peixoto da Silva.

Nomeada há cerca de dois meses, Juçara é capixaba, mas está radicada no Ceará há uma década. O arquiteto e chefe do Escritório Técnico do Iphan, nesta cidade, Erick Mendes Rolim, adiantou que a nova superintendente do Iphan tem o compromisso de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelo órgão e reforçar as suas ações.

Hoje à noite, Juçara da Silva terá oportunidade de fortalecer a presença do Iphan nesta cidade e falar sobre os projetos e ações.

O autor do livro é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e funcionário do Iphan. A obra retrata aspectos urbanos, modos de vida, convivência e resistência de moradores em duas cidades do Interior: Sobral e Icó. Apresenta uma série de desenhos, croquis, fruto de um dedicado trabalho de campo nos dois centros urbanos que têm centros históricos tombados pelo Iphan.

Na apresentação da obra, a arquiteta, Paola Berenstein Jacques, destaca o trabalho de representações dos sítios históricos de Icó e Sobral. "É um trabalho de reflexão rara", frisou. A publicação apresenta três tipos distintos de abordagem: um trabalho historiográfico sobre a formação do Ceará, uma análise teórica e crítica sobre o urbanismo moderno e a prática de vida de seus habitantes.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Literatura-Munição em abundância

Fora de catálogo há três décadas, o livro "Parabélum", de Gilmar de Carvalho, ganha agora sua segunda edição. Obra incontornável na história de nossa prosa de invenção, o romance será lançado, amanhã, no Armazém da Cultura

O escritor e pesquisador Gilmar de Carvalho. No alto, a rara primeira edição de "Parabélum"

Há três infortúnios que assombram os escritores. O primeiro é, claro, o de não ser lido, de ter apenas o silêncio por crítico e interlocutor; o segundo, um desdobramento irônico do primeiro, é de escrever livros antes que hajam leitores para eles; e, por fim, uma alternativa cínica ao silêncio - o discurso vazio, quando o livro é mais comentado que lido.

Os três se abateram sobre "Parabélum", romance escrito por Gilmar de Carvalho em meados dos anos 1970 e publicado em 1977. De lá para cá, esta primeira edição sumiu das livrarias e mesmo dos sebos, enquanto ascendia à condição de obra quase lendária, citada sempre que algum crítico ou comentarista desejava evocar os momentos altos da prosa de invenção no Ceará. Uma das consequências disto é que o livro tenha ficado três longas décadas condenado a esta primeira edição, impressa e distribuída às custas do autor.

Segunda edição
O livro chega agora a sua segunda edição, tão aguardada quanto necessária, via Armazém da Cultura. A nova edição, revista pelo próprio Gilmar de Carvalho, elimina os erros tipográficos da primeira e acrescenta uma única - e significativa - linha ao livro, a derradeira, eliminada no original, por receio do impressor quanto a possíveis problemas com a censura da Ditadura Militar.


"Parabélum" retorna com um bonito acabamento gráfico. Vem acrescido de um ensaio introdutório, assinado pelo escritor João Silverio Trevisan ("Devassos no Paraíso", "Rei do Cheiro"), bem titulado como "O Herói e seus espelhos: ´Parabélum´ e o romance pós-moderno brasileiro"; e um texto, na orelha, da também escritora Ana Miranda, que decreta na primeira linha: "´Parabélum´ é um clássico".

O livro é importante ainda para reencontrar um outro Gilmar de Carvalho, formalmente distinto do incansável pesquisador das artes e tradições do Ceará. E é assim, em tom de celebração e revisão, que o livro será relançado, amanhã, às 19h30, na sede do Armazém da Cultura. Na ocasião, o autor falará sobre a obra, numa discussão com jornalistas e com o pesquisador Saulo Lemos, autor de "Expectativas Heroicas: mito, história e leitura em ´Parabélum´, de Gilmar de Carvalho".

Prosa de invenção
"Parabélum" traz explícitas as marcas da época em que foi escrito. O romance é registro de um tempo em que a literatura era sacudida por lampejos formais. A invenção, que nunca esteve restrita ao enredo, era tão mais radical no estilo. A língua se torcia, para falar de um cenário político, social, econômico e cultural cada vez mais difícil de compreender. Tratava-se de um radicalismo da criação verbal que teve momento mais agressivo nos modernismos, nas mais diversas literaturas.

Tanto que a classificação de romance não pode ser adotada sem certo conformismo. Narrador, história e personagens são inconstantes, mas não inconsistentes. A linguagem, carregada de símbolos, de substituições, aproximações e referências, é predominantemente intertextual. Parece caber ao "Parabélum" de Gilmar de Carvalho um adjetivo dado ao radical "Finnegans Wake", obra final do irlandês James Joyce (1882 - 1941): noturno.

A linguagem parece ser a do sonho. No entanto, Gilmar está mais próximo do mineiro Guimarães Rosa, que achava a prosa joyecana demasiado "cerebral". E este, em definitivo, não é um trabalho que caiba ao único romance da obra de ficção de Gilmar de Carvalho.

A arquitetura é complexa: o evangelho é uma base, mas o tom profético é confrontado com o materialismo da cultura de massas, das referências à infeliz situação política do País à época, do vocabulário e do registro de hábitos das camadas subalternas do Nordeste brasileiro. Os capítulos são breves e, a medida que se sucedem, o personagem se metamorfoseia - num encadear de tipos rebeldes. Nasce como Cristo, a revolta pura; transmutasse em Lampião, a insurreição sem consciência política; e chega ao Che Guevara, ainda não convertido em estampa de camiseta, que confere ordem ao incômodo que o acompanha a cada passo.

Romance forte, violento até, "Parabélum" traz a marca da escrita acadêmica e jornalística de Gilmar de Carvalho. Uma escrita bem urdida, que, com delicadeza, dá ordem a elementos demasiado livres, caso da tradição popular, que não se deixa engolir. Canibaliza, como ensina o modernista Oswald de Andrade (1890 - 1954), para nutrir-se de seus inimigos.

DELLANO RIOS
EDITOR

Entrevista
Saulo Lemos*

"De certa forma, ´Parabélum´ se afirmou: em sua marginalidade"

"Parabélum" tornou-se um livro meio mítico na história da literatura cearense. Contudo, à época do lançamento, não foi um sucesso. Trata-se de uma obra incompreendida?
Quando a gente observa as tradições culturais da época, o romance brasileiro dos anos 70, a cultura contemporânea, etc, a primeira impressão é que foi um caso de incompreensão, uma injustiça contra o "Parabélum". Mas tento associar a esta perspectiva, que não é incorreta, uma outra: é mais ou menos normal que um livro como este, num lugar como o Ceará, não possa fazer sucesso. A começar pela questão da leitura, porque ainda há muitos analfabetos e, mesmo para quem sabe ler, trata-se de um livro que exige uma formação muito específica do leitor. Além disso, a sociedade cearense é, predominantemente, conservadora. Os grupo predominantes, que querem saber de literatura, estão mais interessados em sonetos, em uma literatura realista de gosto passadista. Não acredito que o Gilmar esperasse por isso (a boa acolhida do livro) na época. Essa pouca aceitação do ´Parabélum´ não se deve apenas a sua busca pela experimentação de vanguarda. Na verdade, da perspectiva da própria vanguarda, ele é problemático. O romance tem esse tipo de texto complexo, muito voltado em si mesmo, que atira referências para todo lado, tem esta descontinuidade entre mundo exterior e o livro... Além disto, a experimentação formal não tão comum no Ceará. O Grupo Clã, por exemplo, era vanguarda para cá, mas não podia ser assim considerado em âmbito nacional. "Parabélum" exigia uma estratégia de afirmação cultural para se afirmar. E, de certa forma, se afirmou: em sua marginalidade.

Que posição esta obra ocupa entre os demais escritos literários de Gilmar de Carvalho?
No "Parabélum" e no "Restos de Munição" (muito próximo daquele, já que traz textos que fariam parte do romance), você se vê diante de uma linguagem que ora te acolhe, ora te sufoca. Você tem isso no restante da obra literária. Quanto a essa busca específica, que se reveste numa preocupação política, de demarcar um espaço do eu que coletiviza, as obras posteriores caminham num rumo um pouco diferente. Enquanto "Parabélum" é um tipo de síntese da literatura brasileira dos anos 1970, "Pequenas Histórias de Crueldade" e "Buick Frenesi", como ele diz, é um livro mais de "escracho", de desconstrução da literatura que ele fazia. E é assim porque vêm em outro contexto, com algumas outras referências. Não digo que seja um momento pessimista. Prefiro vê-lo como o Caio Fernando Abreu, uma obra que tem um pulsão de morte, mas também uma pulsão de vida.

Não sei se você conhece bem a obra não-literária do Gilmar de Carvalho. É possível encontrar traços do escritor, do literato, neste trabalho jornalístico, semiológico de hoje?
A gente pode mencionar de cara a infiltração dos elementos da cultura popular. O ´Parabélum´ é quase um romance de formação, ou de "desformação" (na falta de uma palavra melhor), de seu protagonista. Em determinado momento, ele é Lampião, que vai se confrontar com o Padre Cícero. Há uma busca direta da tradição, que, como sabemos, é uma busca forte na carreira acadêmica do Gilmar de Carvalho.

*Professor de Literatura da Universidade Estadual do Ceará
(Uece), em Iguatu. Autor do livro "Expectativas Heroicas"

Romance

Parabélum 

Gilmar de Carvalho

ARMAZÉM DA CULTURA
2011
261 PÁGINAS
R$ 55

LANÇAMENTO amanhã, às 19h30, no Armazém da Cultura (Rua Jorge da Rocha, 154, Aldeota). Contato: (85) 3224.9780

Lançamento do livro O Cordel e o Professor, do mestre Lucas Evangelista

A Academia de Letras de Crateús e o Ponto de Cultura Quintal com Arte, do Sindicato dos Professores Municipais de Crateús, têm o prazer de convidá-lo para o lançamento do livro O Cordel e o Professor, do Mestre da Cultura Cearense Lucas Evangelista, ganhador do Prêmio Literário para Autor Cearense da Secult-Ce. Na ocasião, haverá também um desafio de viola entre Bento Raimundo e Chico Chagas.

Uma oportunidade única de ver este mestre do cordelismo, e aproveitar para ver o lançamento do livro, Lucas Evangelista mostrará um talento sem professor, que a vida lhe deu, e transmitir com muita humildade o dom do cordel, que esta na vida de cada um de nos nordestinos.

Lucas Evangelista nasceu aos 6 de maio de 1937, em Crateús, Ceará.

Aos 18 anos abandonou todas outras atividades para viver somente da Literatura de Cordel.
Tem muitos trabalhos entre canções, folhetos e romances, todos de grande aceitação popular.

Gravou 5 discos (LP) de poemas populares e vários CDs e Fitas.

Além de poeta é cantor, violonista e compositor (com várias letras gravadas por bandas de forró). Ainda faz um trabalho itinerante, em seu próprio carro, indo as feiras interioranas cantar e vender cordéis.

 Fonte: Crateus News

domingo, 19 de junho de 2011

Literatura-Zé do Jati lança versos sobre o seu testamento

Cachorro, esposa, Madonna, Kadafi, FHC, nordestinos, entre outros, foram lembrados no testamento

Anchieta Dantas, criador de Zé do Jati, personagem conhecido em todo o Estado por cantar os problemas do Ceará e dos nordestinos, lança o testamento de seu maior personagem
DIVULGAÇÃO
Fortaleza. Bastante conhecido dos cearenses, o personagem Zé do Jati, do cordelista José Anchieta Dantas Araújo, lança mais uma de suas divertidas (e satíricas) publicações: "O testamento de Zé do Jati". Entre não ter nada para deixar de herança, o autor preferiu versar sobre a realidade vivida. "Na minha concepção é um pouco de deboche, de protesto e de solidariedade com os palestinos, japoneses, nordestinos. É um contexto universal", ressalta Anchieta.

Ele não esqueceu de ninguém. Para seu cachorro Totó, um balaio de osso. Para o Piauí, frio e permanente inverno. E o rei Roberto Carlos, um azul e bonito terno. Tem também os jogadores Zico e Maradona, com mais de mil gols. E nem mesmo a cantora Madonna ficou de fora dessa. "A Madonna é conhecida por se apresentar com pouca roupa, então, eu coloquei minha versão dela comprar saias largas e longas, duas meias e um konga", afirma.

O autor retrata, ainda, os conflitos na Faixa de Gaza e também na Líbia, tudo de uma forma bem humorada como gostar de frisar quando fala de seu estilo. Para o povo nordestino, o cordelista lembra da importância da chuva, da lavoura e das novenas. Até os americanos foram lembrados e o seu grande legado foi a reconstrução das torres gêmeas.

Parafraseando Vinícius de Moraes, o autor explica porque escreveu sobre o tema: "quem sabe a morte, angústia de quem vive. Foi a partir daí que eu comecei a pensar nesse testamento. Este é o testamento de uma pessoa altamente alegre, de bem com a vida. Isso é otimismo. Ao longo do tempo, se Deus me permitir, vou ampliar com problemas atuais", complementa Dantas.

O cordelista iniciou a publicar seus versos em 1999. Hoje, ele comemora os mais de 70 cordéis escritos e distribuídos por todo o Nordeste. "Tem família que me procura para fazer um cordel sobre sua história, por exemplo. Eu trabalho, almoço, janto e transpiro a literatura de cordel", conta.

Fama

O personagem Zé do Jati ficou famoso pela sua participação no programa "Nas garras da patrulha", exibido da TV Diário. Bastava o som da viola apontar na telinha, o telespectador sabia que lá vinha Zé do Jati cantar os problemas do nordestino. Agora, o personagem traz seus novos causos em cordel.

Novos projetos para Anchieta Dantas e o seu Zé não param. "As pessoas me convidam para gravar os cordéis. O do testamento, por exemplo, pode ser gravado em rap, vaquejada e boiada", disse Dantas, emendando na cantoria. Mensalmente, percorre cerca de 2.500Km entre Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Ele mesmo se desdobra para produzir e distribuir os cordéis. Se orgulha do seu trabalho estar espalhado em todo o Brasil. "Hoje, onde você chegar tem cordel de Zé do Jati", conta.

Quanto aos temas para novos cordéis, diz buscar no seu dia a dia o conteúdo para os versos. "Os assuntos são do nosso Estado. Quando eu fiz o da mulher, me inspirei na parábola que meu pai contava. Acrescentei criatividade e humor e dei uma melhorada no texto. Quando começo a tomar gosto por uma coisa, paro, reflito e escrevo".

MAIS INFORMAÇÕES
Anchieta DantasCriador do personagem Zé do Jati
(88) 8814.3383
(85) 3253.4586

Emanuelle Lobo
Repórter

Festival Jericoacoara - Encontros étnicos e visuais

2ª edição do Festival Jericoacoara - Cinema Digital começa com debate e exibição de filmes acerca da diversidade brasileira e da importância da imagem diante dessa cultura plural

Comunidade indígena Tremembé é tema de documentário homenageado

O cinema como espaço de encontros, de congregação. Assim se pode resumir a noite de início do II Festival Jericoacoara - Cinema Digital e o que se promete para os próximos dias. Durante a abertura, ocorrida no último dia 15, foi exibido o curta-metragem do brasiliense Philipi Bezerra, "Espelho Nativo", premiado no Doc.TV. O documentário de 52 minutos é um registro de cinco anos de vivências e quatro meses de filmagens na comunidade dos índios Tremembé, no Ceará.

Nativo
Philipi veio ao Ceará muito novo e aqui empreendeu diversas viagens, conhecendo sertão e litoral. "Desde o princípio notei como a cultura cearense era repleta de elementos indígenas, até mesmo os traços físicos. Isso me chamou a atenção e comecei a pesquisar sobre as comunidades indígenas cearenses", explicou o cineasta. Philipi esteve com Pitaguaris, Jenipapo-Kanindés, mas foi com o Tremembés que se identificou mais profundamente. "Nos dois primeiros anos de pesquisa, visitei os lugares e fotografei bastante. No terceiro e no quarto ano li muito, reuni uma boa bibliografia para então, no quinto e último desenvolver um texto, quase monográfico. De ensaio antropológico. No fim consegui formulá-lo para que fosse audiovisual, um roteiro mesmo", detalha Philipi. Foi esse o texto inscrito no Doc. TV, da TV Cultura. Segundo ele, a vantagem da conquista do apoio é mesclada a algumas desvantagens, como prazos e especificações, que, de certa forma, emolduram o trabalho.

Um dos méritos da produção de Philipi é que, apesar das limitações, pode-se dizer que o filme foi desenvolvido de forma participativa, com as opiniões e sugestões dos próprios nativos. "Com o tempo, a câmera deixou de ser uma preocupação só minha, um instrumento só meu, para ser uma ferramenta de construção de algo coletivo. Eles foram me dizendo: ´Vamos ali filmar a senhora de 102 anos, a mais velha da comunidade´ ou ´Hoje nós vamos capinar as terras originais da tribo, filma lá...´. Eles indicaram muitas imagens", comenta.

Como era de se esperar, a natureza teve papel crucial na produção e as chuvas torrenciais do inverno de 2009 também interferiram no produto final. Para ele, a quantidade de material recolhido e, sobretudo, a complexidade desse universo rendem, certamente, um longa e essa é a sua proposta. "Filmamos nos meses de janeiro e fevereiro, período meio atípico para eles; queremos agora fazer umas imagens em outubro, tempo do caju, em que a pesca para um pouco e eles se voltam mais para celebrar a terra", acrescenta o diretor.

Festival
Philipi, que tem uma ilha de edição pertinho de Jeri, ficou feliz com a iniciativa de um festival litorâneo. "Esse lugar tem um grande potencial turístico, natural, mas cultural nem tanto. É de uma sagacidade interessante fazer um evento, assim, aberto, democrático. Lembra um pouco o festival de Tiradentes", avalia.

O diretor elogiou ainda a exibição na cerimônia de abertura, que, de fato, deu uma mostra do clima fraterno dos próximos dias.

Após a exibição de "Espelho Nativo", já acompanhado por moradores, que se aproximaram curiosos da tenda do Circo Jeri, os tremembés convidados presentearam a todos com a dança do Torem. E, ali mesmo, durante a execução, crianças nativas tocavam os índios, pulavam, entravam na roda, enquanto adultos também se identificavam com a tradição. "Haviam também comunidades de Tremembés aqui em Jeri, então os nativos ficaram muito emocionados em ver e perceber que se tratava de seu passado, de uma tradição da terra", apontou o produtor cultural e cineasta Francis Vale, coordenador do evento.

Segundo ele, trazer o novo cinema brasileiro é um agradável desafio para Jeri. "O que temos aqui é um paraíso ecológico, um lugar bonito e isolado, em que grande parte das pessoas nunca viu cinema realmente. Apenas o que se vê pela televisão que, na verdade, é muito mais internacional do que nacional", analisa Francis, que destaca a importância de, por exemplo, se poder exibir o filme "Raízes do Brasil - Uma Cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda", de Nelson Pereira dos Santos. "Você pode perceber que há aí uma harmonia entre os vídeos selecionados. Nelson discute as ancestralidades, a cultura, a etnia, religiosidade e relação com a natureza, e Philipi também. Muitas outras produções também seguem essa linha", arremata o coordenador.

O II Festival Jericoacoara - Cinema Digital segue até o dia 21 de junho, exibindo um total de 50 filmes, de até 15 minutos de duração, produzidos com tecnologia digital, e selecionados em meio a 218 obras inscritas. Tais produções compõem a Mostras Informativa, cujo objetivo é gerar debates posteriores, e a Competitiva, em que os filmes concorrem a troféus e um prêmio de R$ 5 mil reais.

Programação
19/06
9h - Oficina "Praticando o Cinema Digital", no Conselho Comunitário de Jeri
10h - Debate filme "Loucos de Futebol", na Pousada Serrote
18h - Mostra Informativa de Cinema Ambiental, no Circo Jeri. Filme: "Chapada do Araripe... Como será?", de Jefferson de Albuquerque Junior (CE - 30´)
19h - Mostra Competitiva - Circo Jeri Filmes: "Vitrines", de Carlos Segundo (MG . Fic.14´56")
"Ilusão de Ótica", de Ricardo Pinto e Vlamir Cruz (RN. Exp. 2´30")
"Patthelley, um caminho", de Cândido Alberto (MS. Doc. 12´)
"O lado negro da lua", de Yargo Gurjão (CE. Exp. 6´15")
"No Oco da Serra Negra", de Tel. Colorido (PE. Doc. 15´)
"O Mendigo", de Mário Bonin (RJ. Fic. 14´57")
"Pra sempre Colorado", de Adelton Pereira e outros (SP. Doc. 4´)
"Peixe Pequeno", de Vincent Carelli (PE. Fic. 3´33")
"O Filho de Eru", de Marcelo Goes (BA. Doc. 15´)
"Poeira e Luz", de Rogério Correa (SP. Doc. 2´14")
21h - Exibição Especial - Circo Jeri

"Entre o Sagrado e o Profano", de Caio Quinderé e "Devoção", de Sergio Sanz

20/06
9h - Oficina "Praticando o Cinema Digital", no Conselho Comunitário de Jeri
10h - Debate sobre o filme "Devoção", na Pousada Serrote
18h - Mostra Informativa de Cinema Ambiental - Circo Jeri
19h - Mostra Competitiva - Circo Jeri 21h - Exibição Especial - Circo Jeri
"Passageiro Pau de Arara", de Bruno Monteiro (CE. Fic. 10´)

MAIS INFORMAÇÕES
II Festival Jericoacoara Cinema Digital
- mostra competitiva e exibição de filmes, até 21 de junho (www.jeridigital.com.br)

MAYARA DE ARAÚJO
 REPÓRTER

A revolução será musicada

Professor do Curso de Música da Uece, Heriberto Porto avalia o atual cenário da formação de jovens músicos no Ceará

Entre as melhorias, o professor cita o surgimento de grupos profissionais, como a Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho (MARCUS CAMPOS)

Como professor do Curso de Música da Universidade Estadual do Ceará, hoje convivo com uma nova geração de entusiasmados instrumentistas do Ceará. Estes jovens provêm de diversas cidades do Estado, de classes sociais variadas, fazendo do ambiente de estudo a verdadeira universidade. Todos anseiam a uma profissionalização na música e se preparam para ser os futuros professores na ansiada nova sociedade onde o ensino da música será bem mais universalizado. A nova Lei nº 11.769, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica, sancionada em 18 de agosto de 2008 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, têm aumentado o interesse pelas graduações em música, mesmo que a lei não defina ainda o perfil do profissional que irá lecionar nos ensinos fundamental e médio, nem determine em quantos anos o ensino de música será ministrado – caberá aos conselhos educacionais, estaduais e municipais, regulamentarem-na.

Hoje os estudantes de música no estado do Ceará chegam aos cursos superiores com uma formação básica muitas vezes deficiente, boa parte autodidata. O que se vê é muito talento e vontade de fazer boa música. Isso tem um lado bom: o aluno não chega com vícios éticos e musicais. Chegam ávidos de conhecimento e com a certeza de que todos querem ser músicos. Já é muito para o perfil dos docentes de um curso universitário.

A formação da maioria desses jovens se faz por meio de projetos sócio-educativos, cursos em escolas particulares, nos importantes festivais “de férias” como o Festival Eleazar de Carvalho e o Festival de Música na Ibiapaba, em Viçosa do Ceará. Poucos podem ter uma formação básica formalizada, continuada e consistente por falta de escolas públicas de ensino musical. As exceções são o curso técnico do Instituto Federal do Ceará (IFCE), antigo Cefet, e a Escola de Música de Sobral. Os organismos como o Centro Dragão do Mar e o Cuca Che Guevara fazem seu papel de oferecer cursos, mas não são ainda a escola tão sonhada por todos os profissionais do ensino da música.

O Ceará necessita há muito tempo de maiores investimentos na educação musical. A própria Uece tem um déficit de pelo menos 15 professores para o curso de Música, pois várias áreas como a didática, a pesquisa, a composição e os instrumentos específicos estão “descobertas”, faltando professores. Não temos professores em cordas, temos somente três bacharelados em instrumento: piano, flauta e saxofone, além do bacharelado em composição e da licenciatura em música.

Somos carentes em Mestres no violino, violoncelo, clarineta, trompete, trombone, flauta doce, dentre os mais procurados, pois a demanda pelos bacharelados já é muito grande e o nível dos jovens músicos nestas áreas já justifica a criação de novos cursos. Se para alguns são instrumentos anacrônicos, do tempo antigo, quem toca sabe do valor universal e tem todo o direito de uma boa formação específica na área. A categoria espera com ansiedade o prometido concurso público na Uece.

Se o nosso estado quer se desenvolver realmente (é o que aparenta com os recentes investimentos em infra-estrutura, em criação de empregos e implantação de novas indústrias), ele deve continuar investindo na formação em artes e em especial na música.

Já tivemos grandes melhorias nos últimos anos com a criação de novos cursos pela Universidade Federal do Ceará, com o surgimento de grupos profissionais, como a Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho, o belo projeto de música de Pindoretama, com os mencionados festivais, sem esquecer as veteranas instituições que são a Orquestra do Sesi e a Banda do Piamarta. Lamentamos o desaparecimento da Escola do Ancuri, da Escola Eleazar de Carvalho de Iguatu e do Festival de Música de Câmara do Vale do Salgado (em Iguatu e Icó). Isso prova que “projetos” podem deixar de ter suas subvenções, de repente não conseguem mais captar recursos ou ganhar editais. Uma escola pública de música, como as que existem em muitos estados como no Pará, no Rio Grande do Norte ou na Paraíba, seria a oportunidade de estudo acessível, de inserção social para centenas de jovens, além de ser a base de uma possível Orquestra Sinfônica Estadual. Recentemente pude conhecer inúmeras escolas profissionalizantes que felizmente surgiram no interior do estado e na capital. Estes equipamentos poderiam também servir como sede de cursos de música. Alunos não faltariam.

A cada nova gestão que se inicia, ficamos na expectativa de uma grande revolução pelas artes e pela cultura ou de gestores que enxerguem que a revolução pacífica e verdadeiramente socialista já começou nas mentes e corações dos nossos músicos e artistas. Só lhes falta mais suporte para um grande salto humanista e profissionalizante.

A arte transforma rapidamente as realidades de nossos jovens carentes, está provado, todos sabemos. Cada real investido em cultura são cem economizados em segurança.

Heriberto Porto, flautista, membro do Syntagma e da Marimbanda, professor-mestre da Uece.

Heriberto Porto ESPECIAL PARA O POVO

Fonte: O Povo