sábado, 18 de junho de 2011

Pe. Antonio Vieira terá museu

Defensor ferrenho dos jumentos, Padre Antônio Vieira terá suas memórias preservadas em centro cultural

CASARÃO HISTÓRICO foi alugado pela Prefeitura de Várzea Alegre para ser sede do novo espaço cultural da cidade
Várzea Alegre O acervo pessoal do padre e escritor, Antônio Vieira, vai ganhar um espaço apropriado, nesta cidade, localizada na região Centro-Sul. Parceria firmada entre a Prefeitura e a Secretaria de Cultura do Estado (Secult) viabilizará em breve a instalação de um centro cultural, com museu, biblioteca, salas de pesquisa, leitura e vídeo. Nesta semana, começaram os trabalhos para catalogação de peças e livros e para a elaboração do projeto de concepção do memorial.

Desde terça-feira passada, três técnicas da Secult trabalham na seleção de objetos, fotos, livros e documentos do acervo pessoal do Padre Vieira. "Era preciso o trabalho de uma equipe especializada em instalação de museu", observou o secretário de Cultura do Município, Hélio Batista. "Inicialmente, está sendo feito um diagnóstico do material histórico".

O padre Antônio Batista Vieira nasceu em Várzea Alegre em 1919 e morreu em abril de 2003, aos 84 anos. Morava em Messejana, bairro de Fortaleza, onde havia instalado um sítio e um espaço próprio para conservação de seu acervo pessoal e pesquisa. Em 1986, criou o Instituto de Arte e Cultura que tem a sua denominação. "Após a sua morte, o acervo ficou abandonado e era preciso revitalizar a diretoria do instituto", explicou o secretário, Hélio Batista.

Equipe DA SECULT e de Várzea Alegre faz levantamento do acervo para o projeto de concepção memorial que deverá viabilizar a instalação do centro sobre a vida de Pe. Vieira
FOTOS: HONÓRIO BARBOSA
A Prefeitura alugou um imóvel no Centro de Várzea Alegre para instalação do espaço cultural. "É uma casa apropriada, antiga e que tem tudo a ver com a proposta do Instituto", frisou Batista. O passo seguinte foi solicitar, por meio de ofício à Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Cultural (Cophc) da Secult, o apoio necessário para a implantação do espaço cultural. O coordenador da Cophc, Otávio Menezes, atendeu a solicitação do Município e enviou uma equipe técnica, que tem a participação da museóloga e arquiteta, Lídia Sarmiento, e as historiadoras, Jana Rafaella e Janaina Cavalcante. O clima entre os envolvidos no trabalho de catalogação do acervo é de expectativa e empolgação.

A denominação oficial do espaço ainda não está definida, mas a tendência é que seja Centro Cultural Padre Vieira, e terá espaços diversos. "Será um equipamento fundamental para elevar o nível cultural da cidade", observa Lídia Sarmiento.

Jana Rafaella observa que a cidade precisava reconhecer a importância histórica do filho ilustre. "Os moradores devem valorizar e ter consciência da produção cultural do Padre Vieira", disse. Para Janaina Muniz, o espaço cultural deverá ser um centro de "construção da memória da cidade" e do homenageado. "Queremos ajudar a construir essa identidade".

O secretário de Cultura avalia que a instalação do centro vai preservar um importante acervo histórico. "Queremos revitalizar esse passado, fazer com que a produção cultural e a memória do Padre Vieira fiquem eternizadas, seja uma referência e um lugar de pesquisa", destaca.

O sonho do secretário Hélio Batista, com o apoio do prefeito José Hélder, começa a se tornar realidade. "É o Município que vai ganhar com esse espaço", frisou. "Não queremos que seja um depósito de coisa velha, mas um ambiente de pesquisa e de atração da juventude".

Além de sacerdote e de escritor, Padre Vieira foi político, eleito deputado federal na década de 1960, foi cassado, após o golpe militar de 1964.

A partir da década de 1970, começou a luta em defesa do jumento, que eram mortos em massa por frigoríficos. Mostrou intensa preocupação com o meio ambiente, preservação e consciência ecológica.

Acervo
No acervo há centenas de cartas trocadas entre amigos, parentes, governos e instituições internacionais. Objetos pessoais, peças artesanais, quadros, e dezenas de livros de sua autoria e centenas de publicações que compunham a biblioteca pessoal. O Centro Cultural deverá contar com uma biblioteca, sala de leitura, pesquisa, de exibição de vídeo, espaço para produção de peça artesanal de réplicas de jumentinhos, cordéis, xilogravura e até um ambiente cênico.

Fique por dentro  

História
Padre Vieira nasceu na Serra dos Cavalos, em Várzea Alegre, no dia 14 de junho de 1919. Filho de pais pobres que viviam no campo, conheceu na infância limitações e privações peculiares à situação de pobreza. Trabalhou na roça. Estudou no Seminário do Crato e de Fortaleza, onde concluiu Filosofia e Teologia. Ordenou-se em 1942. Em 1964, cursou Administração de Empresas na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Depois, cursou Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escrevia em jornais e publicou dezenas de livros: "100 Cortes Sem Recortes" (1963); "O Jumento, Nosso Irmão" (1964); "O Verbo Amar e Suas Complicações" (1965); "Mensagem de Fé, Para Quem Tem Fé" (1981); "Pai Nosso" (1983) e "Bom Dia, Meu Irmão Leitor" (1984).

Honório Barbosa
Repórter

MAIS INFORMAÇÕES
Secretaria de Cultura e Turismo de Várzea Alegre, Rua Deputado Luiz Otacílio Correia, 237, Centro
Telefone: (88) 3541.1548

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Escritor cearense lança livro sobre Cidade de Goiás

Foto: Divulgação

Foi lançado ontem, no Museu das Bandeiras, na Cidade de Goiás, o livro Veredas de Goyaz – Viajantes e paisagens, do autor cearense Emmanoel Fenelon Saraiva Câmara. A obra é resultado de 10 anos de pesquisas e começou com a pretensão de ser um guia para amigos que queriam vir a Goiás. O autor disse ainda que é importante realizar o lançamento do livro em Goiás durante um evento como o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – Fica, por se tratar de um evento de relevância e que, assim como seu livro, propaga ao mundo as belezas de Goiás.

Emmanoel Fenelon conta que a ideia do livro, de 196 páginas, nasceu por conta da paixão e do encantamento que ele tem pela cidade que visita há muitos anos. “Quis imprimir um olhar de turista, de quem vem de fora mesmo e contar as histórias de personalidades famosas da cidade”, explica ele.

O editor do livro, Anderson Batista de Melo, classifica a obra de Emmanoel como sendo um roteiro de viagens qualificado. “Este livro é o primeiro da série Caminhos do Centro, que vai retratar as histórias da região Centro-Oeste. Fico muito orgulhoso de que nossa estreia seja sobre a Cidade de Goiás”, relata.

Sérvulo, com esmero

A Pinacoteca do Estado de São Paulo presta uma merecida homenagem ao artista plástico cearense Sérvulo Esmeraldo, lançando amanhã uma mostra e um livro retrospectivos



Sérvulo Esmeraldo: retrospectiva que abre amanhã em São Paulo ajuda a visualizar a trajetória inventiva do artista cearense
FOTO: KIKO SILVA

Em meio a gravuras, desenhos, pinturas e uma infinidade de formas geométricas abstratas, datadas das últimas seis décadas, a Pinacoteca do Estado de São Paulo inaugura amanhã uma mostra retrospectiva do cearense Sérvulo Esmeraldo. São 117 obras que ajudam a desvendar a trajetória do artista cratense e dão uma pequena mostra d a dimensão e da importância de um trabalho inquieto, inovador e resistente ao tempo.

Aos 82 anos, Sérvulo Esmeraldo é um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros vivos, tendo convivido com Aldemir Martins e Antônio Bandeira, nos anos 40, com Oswald Goeldi Sérgio Milliet, Bruno Giorgi e Lívio Abramo, na São Paulo dos anos 50 e 60, e integrado a Escola de Paris, na França, onde deu um salto rumo ao abstracionismo que tornou-se uma das marcas de sua obra.

"Sem duvida, é um dos artistas mais importantes da arte moderna e contemporânea brasileira, mas depois que voltou ao País, ele acabou ficando restrito ao Ceará", avalia o curador da mostra, Ricardo Resende, que encara a exposição como uma oportunidade de evidenciá-lo em âmbito nacional. "É uma obra muito atual. A arte cinética (que ele desenvolve a partir da década de 70) é uma prova de sua contemporaneidade. Há muitos artistas trabalhando com ela, hoje. Isso mostra a atualidade e a necessidade de revisão, que espero que se faça e se coloque Sérvulo em seu devido lugar", defende.

A exposição usa como base obras do acervo do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, do acervo pessoal do artista e da própria Pinacoteca de São Paulo. As negociações para a realização da mostra começaram em 2006, conta Ricardo Resende. O acervo reunido traz obras desde a juventude de Sérvulo, com desenhos, pinturas e xilogravuras do início de sua produção, até trabalhos tornados célebres (caso da série "Excitáveis", produzida na década de 70 e tida como um dos principais momentos na obra de Sérvulo) e esculturas cinéticas feitas entre 1980 e 2000.

"Uma das obras de destaque é um desenho de 1950, que é uma vista marinha, com velas de jangada, onde de alguma maneira já aponta para abstração que vai virar marca de suas obras. As velas são triangulares", destaca. Resende cita ainda obras como "O Escriba", de 1962, feito com uma caixa de madeira, motor, imã e varetas de metal. "Esse motor faz com que o imã e as varetas de metal criem desenhos na caixinha. São os primórdios dos excitáveis", explica o curador da mostra.

O interesse pela obra do artista, de acordo com Ricardo Resende, já começa a ser percebido desde que foi anunciada essa retrospectiva. "As pessoas têm comentado bastante, tem aparecido pessoas que colecionam, que tem obras de Sérvulo. Coisa que, com certeza, vai ajudar a localizar a produção dele no País para uma possível catalogação. E que mostra como é conhecido e respeitado", diz.

Abertura
A mostra será inaugurada neste sábado, acompanhada de lançamento de um livro organizado pela crítica de arte Aracy Amaral e contará com a presença do artista. "Eu não vi ainda. Vai ser uma surpresa muito grande, mas tenho certeza que é uma coisa muito bem feita", diz Sérvulo, que não interferiu na montagem da exposição. "O convite partiu da Pinacoteca. Todo o trabalho foi orquestrado por eles. Foram dois anos de trabalho, tudo feito de maneira muito respeitável", elogia Dodora Guimarães, crítica de arte e esposa do artista.

Esta é a segunda mostra retrospectiva da obra de Sérvulo. Para o artista é, também, a mais importante delas, em parte por se realizar em São Paulo, onde morou por mais de 20 anos, antes de seguir para seus anos na França. "Eu trabalhava em São Paulo. Fiz exposições. Minha última exposição foi no Museu de Arte Moderna. Isso é um reconhecimento muito importante. Tanto pela minha idade (82) como por ser em outra cidade que não Fortaleza, e que é a capital cultural do País".

Para o artista, não é possível destacar nenhuma entre as 117 obras expostas. Para ele, são igualmente "frutos" de sua criatividade. "Tem uma série grande. Posso dizer que tem uma coleção extremamente bem selecionada, mas não tem uma mais importante que outra", diz.

Livro
A livro-catálogo que será lançado pela Pinacoteca de São Paulo é, desde já, uma obra de referência sobre o trabalho do artista cearense. Ele reúne 13 textos produzidos por críticos d-e arte a respeito da criação de Sérvulo Esmeraldo. Ricardo Resende, curador da mostra retrospectiva, contribui com uma reflexão a respeito das dinâmicas de luz e sombra nas criações geométricas do artista; a organizadora do volume, Aracy Amaral, contribui com dois textos e Dodora Guimarães com um, o belo "Uma libélula no horizonte".

FRASES
"Em sua obra, percebe-se uma coerência entre a primeira tábua cortada de umburana e a monumentalidade da arte que interfere em espaços públicos" Gilmar de Carvalho, Pesquisador e escritor
"A exposição é prova que seu trabalho con- tinua com toda potência de realização" Estrigas, Artista e crítico de arte
"A importância da exposição se estende à promoção das artes visuais do Ceará" Carlos Macêdo, Artista e coordenador de Artes visuais da Secult



Marcelo Mattos

ENTREVISTA 
Marcelo Mattos*

"Sérvulo é um dos mais destacados artistas de sua geração"

Como surgiu o interesse da Pinacoteca pela obra de Sérvulo Esmeraldo?
Sérvulo Esmeraldo é um dos mais destacados artistas brasileiros de sua geração. Faz alguns anos que vimos pensando e preparando essa mostra que ora se concretiza, e que se insere em nosso programa de mostras temporárias, voltadas para a apresentação da obra de artistas brasileiros de consistente produção, as quais, até o momento, receberam pouco ou insuficiente atenção crítica e divulgação.

Como foi esta preparação?
A mostra é resultado de um longo processo de organização que deve muito à professora Aracy Amaral, grande estudiosa e divulgadora da obra do artista, ao curador Ricardo Resende, que durante sua estada em Fortaleza como diretor do museu do Centro Dragão do Mar também se envolveu com a obra de Sérvulo, organizando mostras e adquirindo obras para o acervo daquela instituição, e - principalmente - ao apoio e envolvimento do próprio Sérvulo e de Dodora.

Qual a importância de uma mostra como esta, assim como do livro que está sendo lançado?
Trata-se da primeira mostra de caráter retrospectivo de Sérvulo que se realiza em São Paulo, e o livro será a primeiro publicação dessa natureza sobre sua obra. São iniciativas com as quais esperamos poder contribuir para uma melhor divulgação e conhecimento dessa produção.

*Diretor da Pinacoteca de São Paulo

FÁBIO MARQUES
ESPECIAL PARA O CADERNO 3

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O historiador Totó Rios, será agraciado com o Troféu Nicodemos Araújo


A Prefeitura de Acaraú/CE, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, irá realizar o I Encontro de Escritores do Vale do Acaraú no próximo dia 22 de junho, a partir das 18h, no auditório da Escola Profissional Marta Maria Giffoni de Sousa, no bairro Monsenhor Edson Magalhães, em Acaraú. Na oportunidade, serão homenageadas personalidades acarauenses que se destacam no campo cultural, como o professor e poeta Dimas Carvalho e o historiador Totó Rios, que no evento receberão o Troféu Nicodemos Araújo.  Nicodemos foi um poeta e historiador de grande destaque na história do Município, e é o grande homenageado do evento.

Na escola em que ocorrerá o Encontro, poderá ser conferida exposição com o acervo bibliográfico, arquivo fotográfico e medalhas condecorativas de propriedade do poeta Nicodemos Araújo. A partir do dia 23 de junho, a exposição pode ser conferida na Biblioteca Pública Municipal Poeta Nicodemos Araújo, situada na Rua Major Coelho, s/n, Centro de Acaraú, em frente à Praça do Colégio Virgem Poderosa.

A biblioteca funciona de segunda a sexta-feira, das 7h30min às 11h30min e das 13h30min às 21h. Projeto da Secretaria de  Cultura e Turismo do Município determina que todo dia 23 a biblioteca abra, mesmo que em dia feriado ou de final de semana, em homenagem ao poeta, em memória de seu falecimento, ocorrido em 23 de junho de 1999.

Já confirmaram presença ao Encontro do dia 22 vários poetas e escritores, de renome, premiados em Academias de Letras, além de jornalistas e colunistas. Na escola, poderá ser conferida a exposição do poeta Nicodemos Araújo, grande homenageado do Encontro, que ocorre exatamente no dia de sua morte.

O Secretário de Cultura e Turismo de Acaraú, Wandick Mesquita,  ressalta que o encontro é bastante importante para o setor cultural do Município, uma vez que “além de ser o primeiro de vários a serem realizados, o Município presta homenagem a um dos maiores poetas de Acaraú, que foi Nicodemos Araújo. Com outros nomes de destaque, como Padre Antônio Tomás, Acaraú é a Terra dos Poetas”.

Nicodemos Araújo, o grande homenageado do Encontro
O poeta e historiador autodidata, Nicodemos Araújo nasceu em Acaraú em 10/03/1905 e falecido em 23/06/1999.

Escreveu valiosos trabalhos sobre a região norte do Ceará, notadamente, sobre Bela Cruz e Acaraú. É autor de 12 livros de poesias, 12 de história, com incursão pelo teatro, biografia e genealogia.

Pertenceu a Academia Sobralense de Estudos e Letras, Academia Cearense de Letras, Academia de Letras Municipais do Brasil e a União Brasileira de Escritores
Fonte: Vale do Acaraú Notícias

Zé Maria Moreira de Seu Campos

O escritor Waldy Sombra lança amanhã um competente retrato falado de seu contemporâneo, o contista Moreira Campos, para o autor, um mestre nas artes de escrever e de fazer amigos

O velho Moreira Campos, tímido, pacato e 'magricela' em sua biblioteca doméstica
FOTO: LÍBIA XIMENES (16/04/1982)

O "magricela", como fora carinhosamente apelidado por Rachel de Queiroz, já nascera assim, fino, anguloso. Muito quieto, "matutão"; com os amigos, risonho, amante de anedotas; fumante inveterado, interrompia as aulas na Universidade Federal do Ceará (UFC) para a hora do cigarro. Seu fusquinha inconfundível se destacava no estacionamento do campus.

E o que se sabe sobre Moreira Campos vai assim se construindo, em pedaços de histórias contadas por amigos, familiares e alunos. A partir de agora, contudo, não será mais necessário recorrer apenas às lembranças destes. Em "Moreira Campos, professor de histórias e de amizade", livro de Waldy Sombra que será lançado amanhã, a vida e a obra do escritor estão muito bem registradas.

Períodos
Sombra passeia com maestria pelas fases do contista, representadas por seus nomes. Na infância, foi Zé de Seu Campos, numa alusão ao Campos pai, português "forte e vermelho"; José Maria, na juventude, morando na cidade grande com a ajuda do primo Jáder de Carvalho; e, finalmente, Moreira Campos, assinatura que veio com a publicação de "Vidas Marginais" (1949), o primeiro de seus 11 livros. O nome fora adotado por sugestão de Joel Linhares, que lhe deu o exemplo de "Eça de Queirós, que também tinha por nome de batismo José Maria, e Machado de Assis, o de Joaquim Maria" - como Moreira mesmo explicou em crônica escrita nos anos 90.

Quando novo, acompanhava o pai comerciante em viagens à Capital, posto em calças de brim bem passadas e gravatinhas. Ali, enquanto o pai transpirava para fazê-lo ingressar no comércio, Zé queria saber de Greta Garbo, John Gilbert e outros heróis dos cinemas, com os quais se encantou tanto que, se pudesse, teria sido cineasta.

Waldy Sombra nos leva sem receios a sentar no chão da sala da família Campos, em Lavras da Mangabeira, para ouvir a matriarca D. Adélia, que descansava seus reumatismos na alva rede, entreter os meninos com suas histórias: imagens de vagões cruzando montes (café-com-pão, café-com-pão, bolacha não...), com chaminés cujas fumaças mais pareciam a cabeleira de um fantasma, e mulheres aparecendo no meio da noite para assombrar o maquinista.

Igualmente sem receios o autor desta biografia mete-se em nossas próprias lembranças. Quermesses, festas da padroeira, namoro no banco da praça, mergulho nas águas sangradas de um açude, senhores debatendo na calçada da farmácia... Levando-nos a uma identificação extravagante com a infância de Moreira. E tão logo se passam 50 páginas, assim sem notar.

E de que interessam tantos detalhes de um cotidiano tão comum? Simples: como disse o escritor Caio Porfírio Carneiro, autor do prefácio, a contemplação da vida de Moreira Campos é, ao mesmo tempo, a compreensão das entrelinhas de sua obra, já que "foi ele essencialmente um escritor dessa classe média de sofrimentos não revelados e que afloram do dia a dia vivido".

A Fortaleza dos anos 30 foi descoberta não sem sofrimentos, na juventude de seus 16 anos. Pai e mãe se iam mal de saúde e a tal donzela alva e eterna explorada em seus contos logo habitaria sua própria casa: o pai se foi aos 44 anos, a mãe aos 38. Àquela época já estava José Maria apaixonado por Fortaleza e logo depois por Zezé, a companheira incondicional, conquistada com um soneto guardado na gaveta da mesa de trabalho, em 1935. Casaram-se dois anos depois.

Encontros
Com a literatura, se casaria dali a alguns anos. Em 1944, uma excelente passagem do livro, narrada pelo próprio Moreira Campos, marca uma invejável relação de afeto que se construiu entre ele e Graciliano Ramos. José Maria, em viagem ao Rio de Janeiro, encheu-se de coragem para adentrar a Livraria José Olympio, reduto dos grandes nomes da literatura da época, onde Graciliano guardava cadeira e mesa cativas.

De Graciliano, Moreira não queria dinheiro para publicação ou coisa que o valha - o julgamento bastava. E o recebeu. Ali, em meio a José Lins do Rêgo, Rubem Braga e outros que chegavam, Graciliano comentou: "Veja como o estilo dele é dinâmico". E, em outro dia, tendo lido todo o livro, disse-lhe: "Li e gostei deveras". Graciliano e D. Eloísa, sua esposa, se encantaram com o cearense tímido, matuto, e contador de causos.

Para além da biografia, "Moreira Campos, professor de histórias e de amizade" resguarda os bastidores do afeto existente entre o contista e seus contemporâneos, registrado em diálogos e fragmentos de cartas. Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, Eduardo Campos, João Clímaco, Artur Eduardo Benevides.

E não apenas entre eles, mas ainda o laço familiar que uniria de modo tão estreito pai e filha. Natércia Campos, também escritora, seguiu-lhe os passos com semelhança pungente. Essa presença de ambos, Sombra relata numa lembrança poética de tão simples: "Sabe qual era a paixão da Natércia? Ninho de pássaros. Tinha vários na casa dela, era assim ó..." (e demonstrava a distância com a mão) "Engraçado. A filha apaixonada por pássaros e o pai, por corujas!".

Depois de tal leitura, repleta de imagens, episódios e datas, restou a mim desejar aos escritores ainda vivos saúde e talento para que um dia, também enveredem, a exemplo de Seu Waldy, pela experiência de guardar em livros a memória afetuosa de seus próprios contemporâneos. (Quem sabe eu mesma não o faça um dia).

Bibliografia

Vidas Marginais. Fortaleza: Edições Clã, 1949. Contos.
Portas Fechadas. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1957. Contos.
As vozes do Morto. São Paulo: Francisco Alves, 1963. Contos.
O puxador de Terço. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. Contos.
Momentos. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1976. Poesia.
Contos Escolhidos. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1978.
Os doze Parafusos. São Paulo: Editora Cultrix, 1978. Contos.
Contos. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1978.
10 contos Escolhidos. Brasília: Horizonte Editora, 1981.
A grande Mosca no Copo de Leite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985
Dizem que os Cães Veem Coisas. Fortaleza: EUFC, 1987.

Literatura e memória  

Moreira Campos: professor de histórias e de
amizade Waldy Sombra
 
Premius, 2011, 222 páginas
O lançamento ocorre nesta sexta-feira, dia 17 de junho, às 19h30, no auditório do Centro Cultural Dragão do Mar.
Contato: (85) 3488.8600

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

A tradição recriada

Hoje é a última oportunidade de sentir aquele medinho bom, de ouvir causos antigos do Interior, com o encerramento do projeto Lamparina de Histórias

O espetáculo Os Bufões, do grupo Dona Zefinha, de Itapipoca

Nesta noite, o fogo acende-se pela última vez. Em sua derradeira edição, o projeto Lamparina de Histórias traz ao anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, logo mais à noitinha, oito contadores de histórias. Eles vêm de diferentes municípios do Interior e serão acompanhados por apresentações da banda Dona Zefinha e dos Irmãos Aniceto.

O Lamparina de Histórias foi criado pela contadora de histórias Júlia Barros. O evento reúne narradores tradicionais e amantes de causos, lendas, adivinhações, canções e anedotas pertencentes à literatura oral popular.

Depois de ter passado por Aquiraz, Assaré, Canindé, Caucaia, Itarema, Saboeiro, São Gonçalo do Amarante, o projeto retorna à Capital para um grande encerramento. Os contadores que participam hoje foram identificados nos municípios visitados ao longo das edições do projeto.

Ideia
O projeto surgiu a partir de uma experiência pessoal da autora, durante uma viagem a Saboeiro. Lá, certa noite, avistou várias pessoas passando com lamparinas, indo na mesma direção. A imagem entranhou-se na memória e foi resgatada quando Júlia presenciou as atividades de uma oficina voltada a idosos. Na ocasião, eles aproveitavam para contar histórias. A partir daí, a jovem pensou em organizar um projeto que identificasse contadores em outros municípios cearenses.

As três primeiras edições aconteceram em parceria com a Casa do Conto, ainda de maneira amadora, na Região Metropolitana - nos bairros Dias Macedo, João XXIII e no Boqueirão dos Cunhas, em Caucaia. Com a aprovação no Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult), o projeto ganhou itens de mobilização e infraestrutura, com palco e som. Hoje, a abertura do Lamparina de Histórias fica a cargo da banda Dona Zefinha, de Itapipoca, enquanto o encerramento será ao som da centenária Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, do Crato.

Performance
Além da apresentação de hoje, os Aniceto fazem outras duas performances gratuitas na cidade. Amanhã, eles se apresentam, às 18 horas, no Centro Cultural Banco do Nordeste (Rua Floriano Peixoto, 941 - Centro - Contato: 3464.3108); e sábado, às 19 horas, no Cuca Che Guevara (Av. Presidente Castelo Branco, 6417 - Barra do Ceará - Contato: [85] 3237.4223).

MAIS INFORMAÇÕES
 Lamparina de Histórias. Hoje, às 18 horas, no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Av. Almirante Tamandaré, 310). Gratuito. Contato: (85) 3252.3343

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER