sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Falta da mãe



Quando a mãe morreu, o chão desapareceu dos pés. Era ela quem tinha as rédeas da casa, organizava as muitas coisas que tinha para fazer. Foi dela a decisão de vir morar na cidade. Era ela que arrumava os filhos, organizava as festas, resolvia onde as crias iriam estudar. Fazia isso sem que o pai percebesse. Por isso, quando ela se foi, meio que de repente, a casa virou uma bagunça. 

Ninguém sabia onde estava a tesoura para cortar a unha da filha mais nova, não se encontrava a agulha para fazer a bainha da calça da escola do filho do meio. O filho mais velho deixou de ir para as festas. A mãe não mais arrumava as roupas dele. O pai achava irrelevante oferecer mesada para levar as namoradinhas às tertulias. Adolescente, foi ele quem mais sentiu a falta da mãe. Tentava arrumar os irmãos mais novos. Não sabia como.

O pai viu-se num aperreio sem fim. Perdido. Não poderia viver sem um apoio. Não deu tempo de chorar o luto da mulher. Precisava ter uma companheira. Escolheu a prima que vivia por ali. Ela sabia como funcionava a casa, conhecia os filhos, poderia cuidar deles. O filho mais velho não aceitou a escolha. Como ele poderia pensar em casamento se a mãe tinha morrido há poucos meses. O pai não deu muita atenção. Tinha explicação para isso. Estava casando de novo, justamente porque amava a primeira mulher. Não poderia viver sem uma pessoa. Sabia que a mulher entenderia a sua decisão.

Em casa, a madrasta logo imprimiu o seu jeito. Eram regras novas, que ninguém estava acostumado. O filho mais velho não aceitou aquilo. Queria que os irmãos continuassem a ter atenção. Tentou falar com o pai. Ele não deu ouvido. Não queria ter mais problemas do que já tinha. Aos poucos, os filhos foram embora de casa. Primeiro, o mais velho procurou amigos em cidade distante. Depois o irmão do meio, e, por fim, até a mais novinha.

Nas andanças pelo mundo, o mais velho nunca conseguiu digerir a decisão do pai. Casou, formou família, mas não perdoava o pai. Nunca mais quis voltar à cidade. Sonhava que a mãe não tinha morrido e que sua vida seguia por outro caminho. A vida seria outra. Poderia ter ficado. Só bem mais tarde, sonhou que a mãe sugeria que o tempo era da reconciliação.

Voltou à cidade. Refez o percurso da infância. Reviu amigos. Conversou com o pai, que já estava velhinho. Dele recebeu o carinho que esperou a vida toda. Retribuiu. Entendeu que os caminhos percorridos tinham pouca interferência dos outros.

A vida inteira a decisão maior foi dele. Era dele também aquele tempo de merecimento com o pai.

Tânia Alves
taniaalves@opovo.com.br

Fonte: O Povo

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