sexta-feira, 22 de julho de 2011

Do patamar da Matriz

A procissão a cada ano encurta o itinerário, hoje não passa de um amontoado irregular de devotos duvidosos

Mais uma vez venho encher a paciência do leitor para dizer de minha cidadezinha. É que ela está toda prosa, promove o novenário em honra a Senhora Santana, está assim de conterrâneo saudoso, saem pelo ladrão companheiros de infância, comportados cruzadinhos, sonhadores ginasianos; um mundo de relembranças acendidas, as primeiras traquinagens, as inaugurais aventuras proibidas.

A Banda de Música ainda desfila garbosa pelas ruas de calçamento azul acompanhando o andor da padroeira, anima alvoradas no patamar da Matriz, participa de leilões e procissões. Os mesmos dobrados de outrora: Quarto centenário de São Paulo, Saudades da minha terra e o decantado hino Louvores a Sant’Anna que ganhou nova roupagem na partitura do músico da terra, Paulo de Tarso Pardal.

Porém você não verá mais os pirulitos açucarados da Dona Maria Capote, nem os “bulins” da Dona Isa Gomes, nem o bombocado do Sibirá. Muito menos as tapiocas da Dona Antonia, mãe dos músicos Xavier e Bastião Mucuim, grudes e bolos de milho da S’a Graça Correia, que vendia suas iguarias na porta da loja do Augusto Gaioso. Há muito partiram as barbas de gato, peixinhos de madeira em lago de areia, coelhos amestrados entrando e saindo em portinholas de casinhas numeradas.

O enferrujado carrossel do Cauby Machado aposentou-se em meados do século passado, seu fantasma marrom ainda range correntes no largo do São João onde se instalava, todos os anos, o Parque Brasil do Arnaldo de Tal que faliu por obsoletismo (não é absolutismo) enquanto espingardas viciadas não mais atiram em alvos circulares concêntricos, a mosca hoje é um tablete de chocolate desbotado pelo tempo.

Leilões perderam seus arautos impertigados que levantavam embandeiradas prendas enfeitadas com papel crepom a preço de banana, enquanto cabritos e garrotes dormitavam ao pé da mesa farta aguardando a hora da transação. Coronéis abriam a bolsa polpuda e adubavam as burras do vigário para a pintura da Matriz secular, o conserto do órgão, o azeite do Santíssimo na candeia votiva.

A procissão a cada ano encurta o itinerário, hoje não passa de um amontoado irregular de devotos duvidosos que não portam mais estandartes das irmandades ou uniformes das confrarias. Matracas tagarelam uma fé rouca e o sino ecoa distante o chamado de Deus num funesto sinal. Ana irrompe entre panos esvoaçantes e, matriarca dominadora, chama os filhos de volta para o seio da família esfacelada.

Muitos ficam pelas esquinas ouvindo forrós em adoidados decibéis e consideram todo este nefasto ritual um troço careta. O cortejo passa indiferente, com suas latomias substituídas por cânticos à imitação evangélica e mais indiferente está a moçada, nem aí para a ira dos céus, perdoai-lhes Pai, eles não sabem o que cantam e ouvem.

Em outras freguesias, consta, ocorre fato semelhante, ninguém respeita mais essa liturgia decadente, o vivo retrato e a fiel pintura da Matrona Adorada encontram-se desbotados, já não sois mais mulher forte, sagrada heroína. O rio Acaraú a tudo presencia e passa alheio em procura de paz nas profundezas do maroceano. Aqui na terra a boa vontade já saiu do dicionário dos homens.

O rebanho civil, igualmente, segue desgovernado, as palavras de ordem são os jargãos judiciais, todo mundo entende de leis, há um entra e sai de cadeiras no legislativo e no executivo o trono está ainda quente. Se há vazios nas repartições, na cadeias os vãos são ocupados por cidadãos que estão privados de ver a procissão passar e oram, na moita, pela luz do sal e do sol da liberdade. Para eles, estes momentos não passam de uma última novena. Sem cheiro de incenso e com um amargo gosto da saudade.


do Blog: Audifax Rios retrata muito bem cmo era a Festa da Padroeira de Santana do Acaraú.
Em Acaraú tinhamos belas festas religiosas: São Sebastão 20 de Janeiro e a Festa de Nossa Senhora da Conceição 8 de dezembro que foram sendo desprezadas pelas pessoas que já não valorizam e  nem frequentam-nas.

Nenhum comentário: