domingo, 20 de março de 2011

Cearenses unidas por uma escrita de mulher

Antologia de contos lançada esta semana reúne seis escritoras. Quantas de nós, que ganhou o prêmio Moreira Campos, da Secult, traz à tona o universo feminino com seus mistérios e incompletudes


Se existe ou não uma escrita de mulher é um dos desses imbróglios cujo prazer está na investigação e menos na resposta. Para quem gosta da procura, no entanto, Quantas de nós é prato cheio e mesa farta. O livro, que chegou às livrarias esta semana, reúne seis mulheres contistas: cinco cearenses, uma baiana. O que há de comum entre as narrativas é o fato de que o feminino é presença constante, mas a beleza está nas diferenças. E estas, o leitor atento vai percebê-las ao longo do livro, seja pela porta pela qual a autora carrega o leitor texto adentro, seja pelos personagens que, embora submetidos à vida curta que impõe o conto, conseguem saltar para fora do livro.

Quantas de nós é dividido em cinco temas: Enquanto meu coração me engana, Para fugir de mim, Dentro de toda menina, Pequenos motivos para trair meu grande amor e Quantas de nós. É a partir deles que os contos se alinham intercalando as escritoras Maria Thereza Leite, Vânia Vasconcelos, Cleudene Aragão, Carmélia Aragão, Inês Cardoso, Ruth de Paula. O que parece convergente, na verdade, são janelas que se abrem para que o leitor se debruce sobre o trabalho de decifrar trechos da alma humana num determinado tempo definido pela narrativa e ainda espie a paisagem dos sentimentos por meio de uma estética literária.

Logo no primeiro conto, Agnus Dei, de Ruth de Paula, o leitor se depara com a simplicidade de uma narrativa que tem ‘Menina, um pequeno pássaro’, como a personagem que faz irromper uma enxurrada de novos acontecimentos ao cotidiano exemplar de um cuidador de pecados alheios. Ao longo do conto, o mundo interior dos personagens vai sendo desmontado rapidamente até que eles voam libertos. Mais tarde, em Canto Gregoriano, Ruth de Paula constrói Artemísia, “a pombinha, sempre tão servil” que, na sacristia, faz ecoar as notas musicais da sua liberdade, enquanto o marido gerente esquenta o jantar.

A escritora Carmélia Aragão dá um tom mais intimista ao livro. Seus contos, a maioria mais curtos que os demais, trazem uma escrita entrecortada, que junta narradores fugidios e personagens atormentados, cúmplices de um silêncio que deixa tudo por dizer, como se trouxessem “gatos dentro de si” e olhassem o mundo em volta com “olhares frouxos” .

O som é algo visível nos contos de Vânia Vasconcelos. Em Encontros com Gianecchini, a personagem anota frases amorosas ditas nas novelas e pede ao marido que lhe sussurre aos ouvidos na hora apropriada. “Só não se conformava que ele nunca dissesse o que ela queria ouvir”, afirma a narradora-personagem Rosineide. O conto envereda pela busca que o som das palavras proporciona. A ausência dessa música conduz a personagem a tragédia. No conto Parto em noite de lua, é possível ouvir o som da vida que brota da escrita. “Lua grande. Música. Barulho bom de gente... Posicionou o ouvido para escutar como faziam com as mulheres prenhas. Ouviu o pulsar forte e abraçou o chão... Paz.”

No curto espaço desta resenha não cabe passar por todas as autoras. No entanto não é demais dizer que Quantas de nós “é um universo cheio de curvas”, como afirma a escritora Tércia Montenegro, no prefácio do livro. O leitor vai trafegar por uma estrada sinuosa, por onde, via de regra, caminha a vida. A literatura deste livro escrito por mulheres traz em si uma prosa na qual o segredo feminino se expõe como dúvida, mistério, incompletude, por uma busca que a todo custo lhe escapa, que às vezes tem cor, noutras, fica mesmo em preto e o branco como afirma o narrador do conto Poderia ter sido, de Cleudene Aragão.

SERVIÇO

QUANTAS DE NÓS

O quê: antologia que reúne as escritoras Maria Thereza Leite, Vânia Vasconcelos, Cleudene Aragão, Carmélia Aragão, Inês Cardoso e Ruth de Paula. 142 pgs.
Quanto: R$ 30,00.


Lançamento

A memória rompe a cerca 

O fotógrafo Tiago Santana e o escritor e pesquisador Gilmar de Carvalho lançam segunda-feira (21), às 19 horas, na Livraria Cultura, o livro Patativa do Assaré, o sertão dentro de mim. Nele, Gilmar de Carvalho entrecruza sua história de pesquisador com a do poeta Patativa e monta um dicionário de prosa poética. Mesmo para quem já conhece a obra de um dos maiores poetas populares do Brasil, vai se surpreender com a narrativa.

E a novidade é que Gilmar de Carvalho se despede da roupa do pesquisador e se entrega completamente à memória, à musa inspiradora dos bardos. Até mesmo a ideia de um diário de pesquisa se esvai para dar lugar à narrativa memorialista, onde o afeto pode ser visto e toma o seu lugar.

Gilmar desfia impressões, conta causos, perscruta o poeta, mas também se expõe, revela medos e dúvidas. O pesquisador por um longo tempo acompanhou o poeta Patativa do Assaré. O trabalho de pesquisa do professor aposentado do Departamento de Comunicação Social da UFC se transformou em vários livros: antologias e entrevistas. Neste Patativa do Assaré, o sertão dentre de mim, Gilmar de Carvalho retoma dados, fatos, revela também um outro Patativa, artesão de palavras e de si.

As imagens de Tiago Santana é uma narrativa particular. O cotidiano do poeta, sua casa, seus hábitos, os amigos, os gestos, a paisagem da vida simples e rica do sertão vão compondo o mosaico de imagens que se aliam à escrita.

SERVIÇO

PATATIVA, O SERTÃO DENTRO DE MIM
O quê: De Tiago Santana e Gilmar de Carvalho. Editora Tempo de Imagem. 144 pgs.
Quando: dia 21 (segunda), às 19 horas
Onde: Livraria Cultura (Av. Dom Luís, 1010 - Aldeota)
Quanto: R$ 95

Regina Ribeiro
reginaribeiro@opovo.com.br

Fonte: O Povo

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