domingo, 27 de fevereiro de 2011

Agulhas no palheiro

Ruy Souza e Silva
Uma conversa rápida com Ruy Souza e Silva e um passeio pela exposição com Pedro Corrêa do Lago nos adiantam como era a relação de Dr. Olavo com as peças e o processo de aquisição de verdadeiras raridades brasileiras.

Segundo Pedro Corrêa do Lago, curador da exposição, "cada peça tem uma história para contar, seja sobre o momento histórico a que pertenceram, seja sobre o modo como foram adquiridas". De fato, a trajetória das peças e os bastidores da aquisição são pérolas à parte. Ruy Souza e Silva, que dividiu com Pedro o "conselho de arte" de Olavo Setubal, é quem revela a postura e os métodos do empresário com relação à coleção. "Ele dizia que comprava obras de arte com três condições: primeiro, ele tinha que gostar de cara, não podia ser algo de que ele iria gostar com o tempo. Ele tinha o olho, quando gostava, comprava no ato. A segunda, era ter onde colocar a peça. E a terceira e última era ter um preço razoável", revela Ruy Souza e Silva.

O empresário dificilmente ia a colecionadores. Estava, no entanto, bastante presente em leilões virtuais, o que lhe garantiu excelentes oportunidades a preços bem menores do que os avaliados. Dessa forma, Ruy e Pedro se tornaram seus conselheiros, garimpando nos antiquários e acervos de colecionadores as melhores peças.

Pedro Corrêa do Lago
Achados

No Espaço Cultural Unifor, os visitantes serão recebidos na nave esquerda por um bom exemplo das raridades encontradas. Uma exuberante tapeçaria de 2,5 por 3,2 metros dá as boas vindas ao Brasil Holandês. A peça data de 1778 e fora produzida pela manufatura francesa Gobelins, baseadas em ilustrações do pintor Eckhout.

Em 1678, o príncipe Maurício de Nassau presenteou o rei Luís XIV da França com pinturas de Frans Post e desenhos de Eckhout baseados na fauna e na flora brasileiras. Especialidade das manufaturas reais, as grandes tapeçarias passaram a receber, por sugestão dos conselheiros do rei, os exóticos temas daquelas terras estrangeiras, saídos das ilustrações de Eckhout. Oito peças foram inicialmente produzidas. Somente por volta de 1735, o pintor François Desportes foi encarregado de criar uma nova leva das imagens já desgastadas feitas pelo holandês. Uma nova série de tapeçarias foi lançada e, destas, uma foi adquirida em 1992 por Olavo Setubal.

Na sala dedicada às cartografias, está exposta uma das coleções mais queridas por Setubal, de acordo com Ruy Souza e Silva. Segundo ele, a presença do empresário em muitos leilões garantia a pechincha de algumas ofertas, que ainda assim não se pode considerar que saiam baratas. O Atlas Blaeu custou uma bagatela avaliada entre meio milhão e um milhão de dólares. "Os atlas geralmente são versões atualizadas de edições anteriores. A riqueza deste é justamente porque não existiu nada antes dele. É o princípio dos registros. Quando fiquei sabendo que esta peça estava em leilão, telefonei para Dr. Olavo e lhe disse que desse um lance, porque era muito valiosa. Como ele era muito assíduo em leilões, conseguiu comprá-lo por um terço do lance dado", explica o colecionador.

Apesar de não figurar como a parte mais numerosa da coleção, as pinturas e ilustrações, ainda sim, estão em grande número. A "Brasiliana Itaú" possui o quarto maior acervo das pinturas e desenhos de Jean Baptiste Debret do mundo. Debret é reconhecido como um dos artistas que mais retratou o Brasil, responsável por um verdadeiro estudo sobre a escravidão brasileira. Diferentemente dos livros, que muitas vezes saiam das salas dos colecionadores, as iconografias provinham não apenas de leilões, mas de locais inusitados. Ruy conta que, em uma cerimônia política, quando ainda era prefeito de São Paulo, Setubal se deparou com um quadro do qual gostou assim que bateu o olho. Acionou seu assessor ao lado e pediu que perguntasse quanto queriam pela obra. O companheiro descobriu que a pintura pertencia a uma artista ainda novata e portanto custaria apenas em torno de cinco mil reais. Dr. Olavo aprovou a compra ali mesmo. Hoje, sabe-se que o óleo da então apresentada inexperiente artista é de autoria da carioca Beatriz Milhazes, uma das maiores ilustradoras da atualidade no Brasil.

Impressos

Na nave direita, estão as obras que representam a maior parte da coleção: documentos e publicações impressas. Na parede do primeiro corredor, um mural de policarbonato nos recebe. Nele está uma simbólica parte da coleção de duzentos manuscritos raros adquiridos por Olavo Setubal: cartas e documentos assinados por todos os chefes de Estado do Brasil, de Dom Manuel a Tancredo Neves.

Em um dos últimos documentos expostos, Pedro Corrêa do Lago nos aponta uma curiosidade: em ofício datilografado, Tancredo nomeia Olavo Setubal como Ministro das Relações Exteriores, em 1985. "O novo presidente podia nomear os ministros depois da posse, mas precisava ter o nome do ministro das Relações Exteriores para receber as delegações estrangeiras. A curiosidade é que, depois de assinado este decreto, Tancredo foi hospitalizado e um mês depois faleceu sem que tivesse assinado mais nada. Ou seja, o documento de Olavo foi o único decreto de Tancredo Neves", explica Pedro Corrêa.

Finalmente, na última sala, entre os livros e documentos, há uma particular coleção com fotografias e objetos de Santos Dumont, herdados por seus sobrinhos. Nesta sala, vê-se uma homenagem ao Ceará a partir das primeiras edições de clássicos da literatura cearense, como Rachel de Queiroz e José de Alencar. Livros raros de diversos escritores brasileiros compõem a maior parte do acervo, além dos chamados livros de arte, que uniam o talento literário dos escritores com a produção de pintores e desenhistas.

Apesar do grande volume de livros brasileiros que compõem a Brasiliana, Ruy Souza e Silva conta que é difícil encontrar bons materiais no Brasil. O mercado não é muito grande e os livros não se encontram bem conservados. Por isso, boa parte do setor de literatura foi adquirido fora do País. "Além do clima úmido do Brasil, que não garante uma boa conservação, o brasileiro não tem a cultura de guardar as coisas, diferentemente dos norte-americanos ou europeus", comenta. Bem-humorado, Ruy exemplifica: "Levei quinze anos para achar ´O Quinze´, de Rachel de Queiroz!".

Para ele, o que faz de uma coleção fantástica é o ato e a arte de garimpar. "O Pedro uma vez me falou algo interessante: antigamente, os reis tinham sua grande diversão na caça, ir atrás de uma raposa, de um pavão, isso era um feito. A coleção de livros é, de certa forma, similar. Caçar livros é uma coisa que nos dá um prazer enorme, visitar os acervos, contatar os colecionadores", compara Ruy.

De acordo com a avaliação de ambos os consultores, a Brasiliana Itaú está praticamente completa, apesar de a família e o banco ainda manterem algumas aquisições, priorizando, desta vez, obras mais contemporâneas. "Destacamos que a coleção está muito completa, e isso porque Dr. Olavo trazia para o exercício de colecionador as mesmas características de administrador que conferia à empresa. Queria algo sério, sistemático e dava a isso total atenção", revela Ruy Souza e Silva.

Fique por dentro

Ceará revisitado

Também ao Ceará é dedicada uma parte das obras. Nos grandes livros ilustrados no período nassoviano, há, entre as paisagens nordestinas, uma linda vista do ainda nomeado "Siará", exposta na coleção que veio a Fortaleza. Entre os manuscritos, por exemplo, está a assinatura do cearense Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar. Agora, sobretudo no setor dos livros o Ceará recebe homenagens. Estão entre os impressos, primeiras edições de "Iracema", "O Guarany", de José de Alencar, além de "O Tronco do Ipê", "O Sertanejo", e curiosas edições não-autorizadas de "Ubirajara, lenda tupi". Há ainda a primeira edição de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, uma bem preservada produção de 633 páginas, com mapas desdobráveis e gravuras. Também Rachel de Queiroz está incluída no compêndio de famosos livros nordestinos, com diversas primeiras edições de suas obras.

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

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