domingo, 23 de janeiro de 2011

Rio Acaraú-Interiorização do ´Siará´ acompanha roteiro dos rios

A Cidade de Sobral, vista a partir do Rio Acaraú, foi um dos primeiros Municípios a serem formados na região do Vale do Acaraú e à margem do Rio, no processo de interiorização
FOTOS: CID BARBOSA/ACMI-UVA
Diversos Municípios da Zona Norte do Estado do Ceará surgiram e se desenvolveram a partir do "Rio das Garças"

Rio Acaraú. Quando o ilustre Martim fugiu da tribo dos Tabajara, porque Iracema não deveria dormir na sua oca, saiu pelas matas e passou pelas "frescas margens do rio das garças", conforme descreve o escritor José de Alencar no romance "Iracema". "Rio das Garças" é o significado da palavra Acaraú, que nasce da fusão das palavras tupis "Acará" (garça-branca-grande) e "Hu" (água), citado diversas vezes pelo escritor.

A partir da obra de José de Alencar pode-se constatar que a interiorização no "Siará" se deu através de seus rios, tendo o Acaracu, Acaraú ou simplesmente Rio das Garças, uma importância primordial neste contexto. Pero Coelho de Sousa ao chegar ao Brasil, em 1603, para administrar a Capitania do Siará, como era chamada a região correspondente às capitanias do Rio Grande, Ceará e Maranhão, escolheu a foz do Rio Pirangi, hoje Ceará, para se instalar, e depois transferiu-se para às margens do Jaguaribe.


A cidade de Morrinhos preserva-se bem acima do leito do Rio Acaraú que passa pela sua sede. O local é frequentado por lavadeiras, pescadores e banhistas diariamente
Os rios ofereciam água, alimento, lazer e travessia. Desde o seu início, a ocupação do Ceará foi guiada, literalmente, pelos rios e pela atividade econômica. A cultura criatória ou pecuária foi a primeira atividade econômica motora para a ocupação do Estado, entre os séculos XVIII e XIX.

Com o crescimento econômico, surgiram as cidades de Aracati, Sobral, Icó, Acaraú, Camocim e Granja. Conforme conta o coordenador do curso de História da Universidade Vale do Acaraú (UVA), Agenor Soares Júnior, devido à demanda do mercado consumidor litorâneo, "as terras do interior passaram a ser alvos de especulação, produzindo um movimento de interiorização seguindo os principais rios e seus afluentes".

Com esses movimentos, as estradas para o interior da capitania começaram a se delinear, sempre atendendo ao curso dos rios. A ribeira do Rio Acaraú tornou-se estradas naturais perfeitas e propícias para o desenvolvimento cearense. No interior, o cenário também foi tomando forma: ranchos, vendas, bodegas, capelas, igrejas e moradias. A partir daí muitos lugarejos nasceram e deram início à cidades importantes.

Primeiras populações

Para o médico e historiador Barão de Studart, os fundadores e primeiros habitantes de Acaraú foram os pescadores vindos do Sul, atraídos pela fartura dos barcos pesqueiros.

As terras onde hoje se encontra o Município de Marco, antes eram ocupadas por índios, provavelmente os Tremembé. Em Nova Russas, uma fazenda de curtume deu origem ao povoamento e, hoje, cidade. Reriutaba antes fora a Fazenda Santa Cruz. A região era habitada pelos índios Reriú.

Já Santana do Acaraú deve seu nome e sua origem à santa homônima. Em 1626, o frei Cristóvão de Lisboa e sua comitiva passavam pela região, quando foram atacados por índios Tapuio, levando o grupo a refugiar-se nas terras do atual Município. No mesmo ano, a instalação da imagem da santa em um serrote indicava onde seria erguida sua capela. Em Varjota, credita-se o seu povoamento ao Padre Macário Bezerra, da Paróquia do Ipu, também com a construção de uma capela, entre os anos de 1834 e 1840.

"Princesa do Norte"

A origem da "Princesa do Norte", Sobral, tem dois viés. O historiador Agenor Soares Júnior diz que uma delas está relacionada a dois sesmeiros. "Segundo padre Sadoc de Araújo, Sobral teria origem com os descendentes dos sesmeiros Antônio da Costa Peixoto e Leonardo Sá, este último considerado o primeiro povoador da ribeira. Com eles, iniciam-se também doações de terras ao erguimento de capelas nas fazendas de suas propriedades, dando início, a uma lenta constituição de um patrimônio religioso".

A outra inicia com as doações de terras feitas pelo capitão Antônio Rodrigues Magalhães e Quitéria Marques de Jesus, no século XVIII, respondendo ao pedido do padre Lino Gomes Correia. "Casal proprietário da Fazenda Caiçara que, em resposta ao pedido do padre visitador Lino Gomes Correia, doou extensão de terras para a construção de uma igreja matriz que servisse como sede do curato da ribeira do Acaraú, marcando o início do desenvolvimento da região, surgindo um povoado ao redor do templo, atraindo famílias que vinham pela fertilidade da região e pelos serviços religiosos agora mais acessíveis", conta Soares sobre a formação de Sobral.

A partir das doações de terras, o povoamento de Sobral foi dividido em quatro curatos: Amontada, Coreaú, Serra dos Cocos e Caiçara - com a construção de igrejas e capelas neste locais.

"A configuração do povoamento foi produzida de acordo com a criação das capelas erguidas pelos fazendeiros e religiosos, sempre margeando os rios, tornando-se a gênese de várias cidades da região". Hoje, Sobral carrega a responsabilidade de ser um dos principais celeiros da Zona Norte e do Estado na cultura, política, economia e social. Tem o grande desafio, hoje, de recuperar e preservar aquele que foi responsável pela sua origem e seu desenvolvimento, o Rio das Garças.

GEO-HISTÓRIA

Práticas de povoamento ainda são mantidas

Entender o meio ambiente não diz mais respeito somente aos fatores naturais, como flora e fauna. A história também é importante. Um conceito moderno versa sobre uma relação direta entre componentes naturais, socioculturais e atividades humanas. Neste entendimento é que o geógrafo da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), José Falcão Sobrinho, desenvolveu uma pesquisa, resultando em livro, intitulado como "A Geo-história Ambiental do Vale do Acaraú".

Entrevistando e contando a história de 300 agricultores da região - Josés, Joões, Antônios e Marias -, o autor chega a conclusão que "o ontem se repete no hoje". As mesmas práticas adotadas para povoar o Ceará, ainda hoje são mantidas por milhares de famílias no Vale do Acaraú. O latifúndio, concentração de terras, criação de gado, agricultura de subsistência, queimadas, desmatamentos, entre outros danos, continuam na prática das gerações contemporâneas.

Para Falcão, "o relevo contribui com informações a respeito da geo-história natural do Vale do Acaraú", e por isso a fixação das populações nas três áreas da bacia é diferente. No maciço (serras), a permanência de moradia é maior, com 90% dos entrevistados morando há mais de 30 anos no local.

No sertão, a flutuação da população é predominante, devido a questões climáticas e também à propriedade da terra. O autor explica que "no ambiente de maciço houve uma reforma agrária familiar (...). Na superfície sertaneja, há, assim, o contraste de uma área com um processo histórico atrelado ao latifúndio à flutuação da população".

Na ocupação do Vale do Acaraú, muitas questões sociais vivenciadas hoje foram inseridas desde o tempo da colonização e fortalecidas durante os anos. A mão-de-obra esteve sempre ligada a agricultores com baixo índice de conhecimento, fato este que influi na sua condição de vida, conforme descreve Falcão.

A cultura exploratória sempre esteve presente na história do rio, alcançando o ambiente e os que vivem nele. "Tão belo é o Vale do Acaraú, nas suas diversidades naturais e culturais (...). Mas que gera similitudes, fracionadas no intemperismo físico, (...), resseca e desagrega o solo e franje as rugas na face do sertanejo, mas não consegue desagregar a indiferença social", conta o autor.

Ligação

"Os grandes rios, Jaguaribe e Acaraú, constituiram a ligação entre interior e mar"

Agenor Soares Júnior
Coordenador do Curso de História da UVA

"O relevo contribui com as informações a respeito da geo-história do Acaraú"

José Falcão Sobrinho
Geógrafo e Pro-reitor de extensão da UVA

EMANUELLE LOBO
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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